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A Coragem do Guerreiro (2006)

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Mensagem  Convidad 26/2/2008, 10:50

A Coragem do Guerreiro (2006)

Nestes tempos que correm onde o wu xia pian e o filme de artes marciais chinês já não são nenhuma novidade para o espectador comum, a estreia de “A Coragem do Guerreiro” (“Huo Yuan Jia” em título original e “Fearless” em título inglês) poderia revelar-se apenas mais um filme na onda do que Hollywood tem ajudado a produzir na Ásia desde o inesperado e estrondoso sucesso de “O Tigre e o Dragão” de Ang Lee.

Ao pensar isso, não se poderia estar mais enganado. Mesmo se algumas Majors americanas marcam presença na distribuição internacional, “A Coragem do Guerreiro” é um filme 100% chinês. Todavia, só isso não chega para o diferenciar do banal da produção actual, sabendo que o próprio continente asiático alterou a sua maneira de fazer os seus tradicionais épicos marciais após o sucesso do filme já citado de Ang Lee. Não, o que faz aqui a diferença, é que o filme do trio Ronny Yu/Jet Li/Yuen Woo-Ping marca um regresso inesperado à alma do verdadeiro cinema de artes marciais cantonês, um pouco como o que Tsui Hark fez com o seu indispensável “Sete Espadas” em 2005 no âmbito do wu xia pian, e para o público internacional ver de olhos bem abertos.

A Coragem do Guerreiro (2006) Fearless04

Esse público internacional que descobriu o épico chinês com os filmes de Ang Lee e de Zhang Yimou e que conheceu Jet Li pelos seus papéis em insípidas e vergonhosas produções americanas tem aqui a oportunidade única de assistir em grande ecrã a um filme em linha directa com as produções míticas da Shaw Brothers e com os filmes da Film Workshop que marcaram a idade de ouro do cinema de Hong-Kong nos anos 80 e 90. O primeiro passo para este regresso à essência do filme de artes marciais foi escolher contar o percurso de uma figura mítica da História da China, o mestre Huo Yuan Jia do título original. Passando-se na segunda metade do século XIX em plena invasão da China pela cultura ocidental, Huo Yuan Jia é então um pretensioso e ignorante especialista em artes marciais, obcecado unicamente pela vitória e humilhação dos seus adversários. Após um combate que corre mal onde mata o seu oponente, Huo Yuan Jia vê a sua família assassinada em represálias. Destroçado, Huo Yuan Jia percebe que o seu caminho estava errado e, exilando-se longe da cidade, vai descobrir o verdadeiro sentido da vida e das artes marciais ao contacto de camponeses simples e pacíficos. De regresso, Huo Yuan Jia vai assumir-se como o mais valoroso estandarte da identidade chinesa, fundando a Federação Desportiva Jin Wu e recuperando o orgulho de todo um povo.

Os conhecedores terão identificado aqui uma curiosidade que tem a sua importância e demonstra bem a filiação do filme de Ronny Yu. De facto, “A Coragem do Guerreiro” apresenta-se como a prequela não oficial de um dos melhores filmes de artes marciais jamais feitos e já interpretado por Jet Li, o inesquecível “Fist of Legend” de Gordon Chan, realizado em 1994 e remake em todos os aspectos superior de “Fist of Fury” com Bruce Lee. Nesse filme, Jet Li interpreta o discípulo de Huo Yuan Jia que está de regresso para vingar a morte do seu mestre e lutar contra o poderio ditatorial dos japoneses. Ver agora um Jet Li mais velho e maduro, quase quinze anos depois, interpretar o mestre sábio e não o discípulo impetuoso, faz portanto todo o sentido e dá um significado particular a esta história, como o completar de um ciclo, de uma evolução, o que aparece como um dos temas principais do filme.

A Coragem do Guerreiro (2006) Fearless01

Dito isto, é no final a personalidade de Ronny Yu que permite definitivamente “A Coragem do Guerreiro” ser um esplêndido revival do verdadeiro épico de artes marciais à chinesa. Ronny Yu é conhecido internacionalmente pelos seus filmes americanos (“A Noiva de Chucky”, “Fórmula 51”, “Freddy Contra Jason”) que no melhor dos casos fazem dele um realizador simpático e pouco mais. Mas contrariamente a Ang Lee que sempre foi um realizador americano ou Zhang Yimou que representa antes de tudo o cinema de autor chinês, Ronny Yu é um verdadeiro cineasta popular de Hong-Kong, daqueles que faziam parte do topo da lista dos realizadores da idade de ouro que citamos mais acima. “Legacy of Rage” (primeiro papel de Brandon Lee), os dois filmes “The Bride with White Hair (o primeiro é uma das obras-primas do wu xia pian contemporâneo) ou ainda “The Phantom Lover” (último magnífico filme do seu período hong-konguês), Ronny Yu sempre foi um dos melhore realizadores da península, o que a generalidade do público vai poder agora comprovar aqui.

“A Coragem do Guerreiro” é assim um must do filme de artes marciais como já não víamos há uma eternidade graças à combinação fabulosa da figura mítica de Jet Li como estrela do cinema de acção de Hong-Kong que apesar de tudo nunca deixou de ser, da gramática visual e narrativa de um Ronny Yu finalmente livre para deixar exprimir toda a sua eficácia técnica e poesia de contador de histórias e da perícia do incontornável coreógrafo Yuen Woo-Ping de regresso felizmente a uma óptica mais crua e violenta das artes marciais, não deixando totalmente de lado os cabos mas longe dos delírios exagerados e pouco credíveis das produções americanas actuais.

Não há dúvidas que o filme se arrisca a apanhar despercebido muita gente que não está habituada ao verdadeiro épico marcial cantonês. De facto, Ronny Yu consegue fazer um filme que da primeira imagem à última é percorrido por um fabuloso sentimento de grandeza e de solenidade. Apostando numa narração muito clássica (a história é um imenso flashback) e no desenvolvimento de temas finalmente universais (a descoberta de si próprio, qual o verdadeiro sentido da vida, a importância de valores morais simples, etc.), Ronny Yu transcende a sua base de partida porque inscreve o percurso deste homem fora do comum na História do seu país e utiliza as cenas de combate como principal vector da evolução da sua personagem e por conseguinte da História.
 
A Coragem do Guerreiro (2006) Fearless03

O verdadeiro filme de artes marciais é aquele que utiliza a acção física como motor da narração e não como um travão no seu desenvolvimento. Por isso, todas as cenas de combate têm aqui um significado intrínseco a pôr em paralelo com o estado psicológico de Huo Yuan Jia na altura. Assim, as cenas da primeira parte da metragem são muito violentas e brutais, clara demonstração do conflito interno de um homem que não encontrou o seu caminho e se ilude pela poder inebriante e vão da vitória. A mudança de rumo efectua-se portanto através do combate mais mortífero que permite ao realizador compor uma das cenas mais estrondosas que vimos num filme do género. Num restaurante típico na penumbra, o combate começa com espadas e acaba com as mãos num momento visualmente assombroso e emocionalmente carregado em tragédia. Tragédia essa que vai então marcar todo o filme apesar da paz interior progressivamente conseguida por um Huo Yuan Jia finalmente no caminho certo.

A busca dessa redenção e a conquista dessa paz interior poderiam ser o ponto fraco de um filme essencialmente virado para a acção significativa mas Ronny Yu confere a essa parte uma sensibilidade genuína que nos aproxima ainda mais de um Huo Yuan Jia terrivelmente humano e longe desses heróis monolíticos e invencíveis que costumam marcar presença neste tipo de filme. Para além de um visual particularmente lindíssimo que o cineasta soube alternar com inteligência em função da evolução da história (destaque particular ao director da fotografia Poon Hang-Sang, habitué da excelência com filmes como “Peking Opera Blues”, “A Chinese Ghost Story”, “The Heroic Trio”, “Shanghai Grand”, “The Legend of Zu” ou “Kung Fu Hustle”), essas cenas no campo são simples e atingem o alvo com uma simplicidade desconcertante (ex: a cena da plantação de arroz).

A Coragem do Guerreiro (2006) Fearless02

A partir do regresso de Huo Yuan Jia, já a correspondência da personagem com a História do seu país é imediata e os combates assumem então uma dimensão histórica e social com umas filmagens que traduzem a perícia e a determinação de um homem que se encontrou a ele próprio e que serve uma causa bem maior do que ele. Por isso, os combates são menos violentos e mais aéreos, mais serenos nos movimentos, Huo Yuan Jia tendo alcançado a harmonia perfeita entre o corpo e o espírito, objectivo supremo das artes marciais. Falamos há pouco de tragédia e é precisamente isso que “A Coragem do Guerreiro” também é, um drama humanista que no torneio final destinado a aniquilar de vez a identidade do povo chinês, vê um Huo Yuan Jia transformar-se numa lenda através da câmara de um Ronny Yu que consegue nos arrancar umas lágrimas e provocar um aperto de coração que marcará o espectador por muito tempo.

Como terão percebido, “A Coragem do Guerreiro” é um puro representante do filme de artes marciais chinês, longe desses produtos bastardos que poluem os ecrãs há demasiado tempo. Ronny Yu conseguiu o que já não estávamos à espera, ressuscitar um género moribundo regressando à sua essência através de um surpreendente classicismo narrativo e de uma realização fabulosamente moderna. Jet Li tem finalmente um papel à altura do seu talento como não tinha há pelo menos uns dez anos e, dessa forma, “A Coragem do Guerreiro” ganhou desde já o seu lugar ao panteão do filme de artes marciais que já protagonizou, directamente ao pé de “Fist of Legend” e dos três primeiros “Once Upon a Time in China”. Indispensável.

NOTA: 10/10

Fonte FanatiCine

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