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Allegro ma non tanto...

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Mensagem  holbein menezes 20/5/2010, 10:48

Meus diletos amigos da Administração; Caro Sr. Mediador.

Ao aproximar-me dos 88 anos, que passarei a vivê-los (ou suportá-los) a partir do próximo dia seis de junho quando completo o ciclo dos 87, penso que talvez seja o tempo de começar a pensar nas minhas "memórias" (urgh!). Mas memória de audiófilo é audiofilia... Ah! Ah! Ah!, o "ovo de Colombo".

Na terrível hipótese de vocês interessarem-se, e concordarem, criaria este novo tópico para sítio no qual plantaria algumas asneiras que cometi no tempo em que era mais moço, e esperançoso.

Encabula-me informar que em tempos bem pretéritos criei - criar é força de expressão - escrevinhei uma novelinha a que dei o título de Allegro ma non tropo, cujo ambiente situa-se dentro das quatro paredes de uma sala de reprodução eletrônica do som musical. Todos vocês sabem e experimentam o às vezes confuso e incompreensível convescote que se desenvolve entre amigos e colegas enquanto "ouvem" o equipamento do anfitrião sob as bênçãos de compositores de obras clássicas. Uma babel.

Pois bem, Allegro ma non tropo que se passará a chamar Alegre mas não tanto... com reticência a fim de atapetar intenções subjacentes, o novo Alegre poderá ser divulgado em forma de folhetim, de quinze em quinze dias ou como vocês decidirem.

Para o endereço particular do António Moura estou a remeter a 1ª Parte da novelinha, primeira parte que poderá ser dividida em dois capítulos para não ficar tão cansativa a leitura.

É isso aí. Fico no aguardo da decisão de vocês.

Holbein.

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Mensagem  Convidad 20/5/2010, 11:16

Caro Holbein,

Embora eu ache que ainda é muito jovem para começar a pensar em memórias, fico ansioso por ler mais alguns dos seus escritos.

Abraço de Lisboa,

Mário

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Mensagem  BVG 20/5/2010, 11:41

Já estou ansioso para o ler Allegro ma non tanto... 969831
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Mensagem  Convidad 20/5/2010, 12:07

Venham elas..... Allegro ma non tanto... 346205

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Mensagem  vlopes 20/5/2010, 12:50

Uma enciclopedia com 88 anos, é um tesouro que deve ser partilhado.
ficamos á espera. Allegro ma non tanto... 915520 Allegro ma non tanto... 346205
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Mensagem  Blink 20/5/2010, 12:57

ALLEGRO MA NON TANT0...



Por Holbein Menezes.

1º PARTE.

Na sala de música da casa de madeira da rua de piçarra ouvem-se acordes de música. Sons estranhos. São atonalidades: ruídos soturnos, roncos, pancadas secas, sopros, arranhar de cordas, gemidos, resfôlegos. Sons produzidos por quatro contrabaixos. O dono da casa, Amaral Tedesco, um senhor de setenta e um anos, vira-se para o escritor Xandi Cabral, em companhia de quem ouve música, e diz:

-- Sabe, Xândi, são duas coisas que sempre gostei de fazer: ouvir música e escrever.

-- É? – pergunta indiferente e seco o escritor anarquista.

-- É – responde o audiófilo, animando-se. – Ouço música mais de quatro horas...

-- Todos os dias?

-- Todos os dias. Um pouco de manhã, depois das oito, e um tanto mais à tarde, geralmente até as dezessete horas.

-- Mas você nunca estudou música, estudou?

- Não. Não tive oportunidade, e até hoje lamento. Quando eu era criança, meu pai não possuía recursos para pagar as aulas. Agora, que eu próprio tenho os recursos, sinto-me velho, acho que não dá mais. Mas ouço bastante música; que é uma forma de compensação. E também leio e escrevo sobre música. Aliás, no momento, escrever é meu hábito maior. Sempre estou escrevendo alguma coisa, até mesmo enquanto escuto música.

-- Você nunca publicou um livro?

-- Nunca.

-- Nisso estamos empatados.

-- Ora, você pelo menos publicou um...

-- É verdade... Mas sobre o que você está escrevendo agora?

-- Uma espécie de conversa...

-- Conversa?

-- Colóquio, um conto curto, só com diálogos. Narro uma reunião de pessoas em redor de uma mesa de comes e bebes, mais bebes do que comes, cada conviva a declinar, e justificar, os dez compositores clássicos da sua preferência. Mas preferência de fato; enunciar somente os compositores que cada um ouve diariamente.

-- Diariamente, não digo, mas ouço uma vez por semana pelo menos três compositores: Bach, Beethoven e Mozart.

-- Pois eu achava que você curtia também Monteverdi. Fala com tanto entusiasmo de L`Orfeo?

-- E curto. L`Orfeoé uma obra de gênio: para mim é primeira ópera sinfônica da história. Mas aqueles três são os meus preferidos do dia-a-dia. De Bach, o que mais ouço são as Suítes para violoncelo solo. Tenho gravações com três violoncelistas, inclusive a do Anner Bylsma, que utiliza um violoncelo barroco. Sabe? O violoncelo barroco é três centímetros mais comprido do que os violoncelos modernos, e a corda de Lá é de pura tripa de carneiro. Produz um timbre muito especial: um roufenho resinífero quase sem harmônicos, muito próximo da viola de gambá. Também ouço com frequencia as Sonatas e Partidas para violino desacompanhado. E até podiaincluir os Concertos de Bandenburg. De Beethoven, gosto muito das Sonatas para pianoe dos quartetos de cordas, com preferência especial para o Opus 131.

-- Você não gosta dos quartetos finais?

-- Gosto, o Opus 131 é um desses. Mas gosto mais dos primeiros, são mais mozartianos. Ouço também com alguma frequência um dos cinco concertos para piano, mas aqui, só se executados em piano da época. Adoro o som do pianoforte.

-- Você não ouve as sinfonias de Beethoven?

-- Pouco. Gosto mais da sua música de câmera.

-- Engraçado...

-- Engraçado o quê?

-- Um musicista moderno... E de Mozart, o que você gosta?

-- De Mozart, gosto de tudo, até das óperas.

-- Qual a ópera dele que você mais gosta

-- Idomeneo.

-- Idomeneo? Eu pensei que fosse Don Giovanni,considerada a obra-prima de Mozart?

-- Pois pensou errado. A obra-prima de Mozart, para mim, é Idomeneo.

-- Por quê?

-- É mais, digamos, ideológica. Entenda-me: Há uma pequena particularidade situacional que envolve essas duas peças que, pelo menos para mim, pode ter influenciado- na escolha dos temas, marcando-lhes o caráter ideológico. Veja: nos dias em que ensaiava Idomeneo, Mozart escreveu ao pai: “... mas o príncipe e a orgulhosa nobreza tornam-se cada vez mais insuportáveis.”; ao passo que seu estado de espírito era outro quando compôs Don Giovanni. Nessa ocasião, ele escreveu ao seu amigo e provedor financeiro, Gottfried Von Jacquin: “... porque pertenço demais a outras pessoas, e muito pouco a mim mesmo. Não preciso lhe dizer que esta não é a vida que prefiro.”

-- Só por isso?

-- Entenda, Xandi: essa contradição íntima, entre a necessidade (nascida talvez da relação paterna) de galgar a nobreza, de ser ele Mozart também um nobre, e o que lhe permitia essa mesma nobreza, de apenas ser ele um músico a serviço dessa aristocracia, ainda que músico talentoso e aclamado – refletida de forma muito nítida nos dois desabafos epistolares -, para mim, isso marca a escolha dos temas das duas óperas, e também as músicas. Enquanto em Idomeneo Mozart é sinfônico em todos os atos, na ópera Dom Giovannisó consegue sê-lo no final do terceiro ato. No resto da ópera, a música segue o texto como coadjuvante. Em Idomedeo, talvez recebendo a influência de Monteverdi, ele como que abre caminho para Berlioz e Wagner, em cujas óperas a música é, quase sempre, o principal. Jamais é acompanhante. Em Dom Giovanni, segue a escola italiana, em que as árias, representando as pessoas, são o principal, e nunca o contexto social, representado pelos coros.

-- Tai, é, quando nada, uma explicação original...

Amaral Tedesco e Xandi Cabral estão sentados no sofá de quatro lugares da sala de musica de Amaral; uma vasta dependência especialmente construída para a finalidade da reprodução eletrônica do som musical. Um retângulo medindo quatro e oitenta metros de largura por sete e cinquenta de comprimento e três de altura – medidas que o dono da casa, vaidoso de suas instalações, chama de proporção áurea.

A sala possui paredes duplas de madeira – costaneiras de cedro –, menos a dos fundos, que é de tijolo maciço aparente. “-- Para servir de refletor e painel de sustentação para os alto-falentes destinados à reprodução das frequências baixas.”, costuma explicar, professorando. “-- As três paredes de madeira possuem uma particularidade, são entremeadas com cinco centímetros de areia de rio, formando uma espécie de sanduíche.” Amaral explica que tal arranjo se destina a evitar as vibrações da madeira, e, em consequência, a formação de ressonâncias indesejáveis. E serve também para atenuar frequências abaixo de 100 Hz.

-- Essa sala não podia ser mais larga?

-- Não, se o pé-direito for de apenas três metros. Para evitar ressonâncias, sabe? – responde com entusiasmo. -- O tamanho de uma sala de música não deve ser arbitrário nem fortuito. Tem que obedecer a certa proporção: para cada metro de pé-direito, um vírgula seis para largura e dois vírgula cinco para o comprimento.

-- Por que você não escreve um livro sobre alta-fidelidade? – inquire o escritor, que sempre faz a pergunta toda vez que o amigo fala dos parâmetros técnicos de sua sala.

Mas Xandi Cabral já conhece a resposta e por isso, sem esperar tê-la de novo, acomoda-se melhor no assento, cerra os olhos e concentra-se na música, tentando entendê-la.

O dono da casa é homem de estrutura baixa, cabeça de nordestino – chata e grande –, rosto oval, olhos dilatados e vivos. Passou dos setenta anos. Possui largo bigode e barbicha, ambos embranquecidos. Ainda lépido, levanta-se a abaixa-se com facilidade. É inquieto.

A casa onde mora possui oito cômodos, além da dependência de lazer: um módulo à parte e atrás da residência, módulo metade ocupada com a sala de som e metade com o ateliê de pintura da mulher Anita Tedesco, artista surrealista, de lavra inconsciente, do gênero fantástico. A sala de Amaral Tedesco é famosa no meio intelectual da cidade. O escritor Xandi Cabral é o seu mais assíduo freqüentador.

-- Você possui a mais supimpa sala de música de Ilhópolis – comenta Xandi, com seu jeito de falar –, talvez a única veramente estruturada para ouvir-se música. As outras que conheço são tão-somente espaços adaptados.

-- Também na ilha só existe a minha...

-- Certo. Mas incluo na lista, as salas públicas. O nosso maior e mais importante teatro, por exemplo, apesar das custosas reformas porque há passado, é dotado de péssima acústica. É o terror dos artistas, que reclamam contra a falta de retorno, o que dificulta a orientação em cena. E o som do cinema? Desse nem é bom falar; é simplesmente horrendo. Mas não é por esse motivo que sua sala é impar, é, sobretudo, pela excelente qualidade da música que aqui se ouve mercê da sua exemplar coleção de discos, repertório eclético em chapas importadas.

Amaral gosta da referência a sua discoteca, mas nada comenta. Naquele momento escutam os dois um dos discos recém-chegados do Rio de Fevereiro: a raridade do Quarteto para contrabaixos, do compositor alemão Erich Hartmann, executado por instrumentistas da Orquestra Filarmônica de Berlim.

Amaral, embora não se proclame, tem-se um vanguardista. A música dodecafônica é o gênero que diz ser da sua preferência. Invectiva a mesmice das músicas barroca e romântica. Xandi Cabral, seu companheiro mais constante de audição, desconfia que, por baixo da crítica que o amigo faz à música tradicional, e à sombra do tipo complexo da composição moderna, que ele diz apreciar, o audiófilo esteja exibindo-se perante os colegas de audição. Especialmente os músicos da cidade, que só apreciam o barroco. “-- O que ele tem é inveja dos músicos porque dominam a técnica da leitura musical e o Amaral, não.” – critica à socapa.

-- E quais são os seus dez compositores preferidos, Amaral?

-- Um deles é Bela Bartók. Gosto de tudo dele mas minha música de cabeceira desse compositor são os seus Quartetos de Cordas. Ouço um deles por dia, todos os dias.

-- Todos os dias?

-- Todos os dias. Uma vez gravei os seis quartetos e levei gravador e fita para umas férias na Serra de Itaipava. Antes de dormir, com fone de ouvido, ouvia um quarteto inteiro. Anita estrilou, disse que eu devia ter casado com Bartók...

-- E quem mais?

-- Quem mais o quê?

-- Quais os outros compositores da sua preferência?

-- Na letra bê, Bernstein.

-- O maestro?

-- Sim, Leonard Bernstein. Ele compôs três sinfonias, alguns poemas sinfônico e uma missa. Gosto especialmente da Terceira Sinfonia, também chamada de “Kaddish”. Da letra bê salto para a letra agá, de Hindemith. Adoro os sete concertos para orquestra de câmara desse alemão de Hesse. Outro que gosto muito é Janácek, sobretudo os dois quartetos para cordas: o número um, também conhecido como A Sonata de Kreutzere o número dois, igualmente conhecido como Cartas Íntimas.

-- Mas a peça mais conhecida dele é a Sinfoneitta para orquestra...

-- É. Uma das obras composta no final de sua vida. Mas não gosto dela não. Depois do jota vem o cá de Kodály.

-- Não conheço nada de Kodály.

-- A suíte para orquestra Hary Janosé a sua obra mais divulgada, mas gosto mesmo e gosto muito são da Sonata para violoncelo solo e a Serenata para dois violinos e viola.

-- Em ele vem Lalo e em eme vem Mozart...

-- Em ele vem também Liszt e em EME, Malher. Ouço os dois, mas esporadicamente. Estamos falando de música ouvida com certa frequência, não é? Nessas condições, do cá salto para o ene de Nielsen: Carl Nielsen. Gosto muito dos quatro quartetos para cordas desse dinamarquês, muito mais do que das suas sinfonias, que foram seis mas só se divulgam cinco.

-- Parecido com Bruckner, que compôs onze sinfonias e numerou apenas nove. E na letra pê, já que se não conhece nenhum compositor com a letra ó?

-- Tem o Offenbach e um tal Oswald...

-- Do Offenbach, e da Gaité parisienne, eu já ouvi falar, apesar de nada ter escutado dele, mas desse Oswald... Oswald de quê?

-- Henrique Oswald, e, pasme! Um brasileiro que compôs várias óperas e algumas peças orquestrais.

-- Brasileiro?

-- Nascido e morrido no Rio de Janeiro. Compunha à européia...

-- Como o Carlos Gomes?

-- Sem comentários. Na letra pê eu poderia destacar Prokofiev, que é o mais conhecido dessa letra, mas não o ouço com constância. E assim não vale. Nem na letra erre, o Ravel. Salto para a letra esse, e aqui destaco o Schoenberg e o Shostakovich.

-- Do Shosta eu também gosto.
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Mensagem  Convidad 20/5/2010, 13:13

Agora, queremos mais. Muito mais.

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Mensagem  Orion 20/5/2010, 15:23

Venham tais relíquias, será sempre uma honra. Allegro ma non tanto... Icon_cheers
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Mensagem  indiemania 20/5/2010, 18:44

Palavras para quê, estamos perante um jovem que partilha as suas experiências pela comunidade de forma sublime
Um bem haja
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Allegro ma non tanto... Empty Mais um capítulo.

Mensagem  holbein menezes 25/5/2010, 12:31

Ora, como estou a notar que os interessados em ler a novelinha já "esgotaram", vai a segunda parte:
2º PARTE
-- Schoenberg compôs A noite trasfigurada, e só isso teria bastado para sua consagração. Mas compôs também quatro quartetos para cordas que são palatáveis; para quem gosta de música moderna, é claro.

-- Você não inclui o Stravinsky na letra esse?

-- Nem o Sibelius, o Schubert, os Strauss... A letra esse é rica em bons nomes. Gosto do Sibelius mas não o ouço muito. Do Richard Strauss aprecio a ópera Salomé. Essa, ouço-a pelo menos uma vez por mês. Tento gostar de Elektra mas não peguei ainda uma boa interpretação dela. Nas gravações que ouvi, sinto que os motivos são dissociados do tema. Acho que os maestros que ousaram levar essa ópera confundiram atonalidade, que é caráter do som, com surrealismo que é forma de manifestação do tema.

-- E do Shosta? – perguntou muito de propósito Xandi, para fugir das abstrações teóricas de Amaral.

-- Da música desse gosto muito, principalmente dos quinze quartetos para cordas, de todos, e das catorze sinfonias, especialmente as ultimas cinco.

-- Thaikovsky nem pensar, não é? E em vê?

-- Em vê, Villa-Lobos. Definitivamente Villa-Lobos, representado não só por sua obra para piano, que é soberba, como também pela extraordinária obra para violão, e, até um certo ponto, pelos dezessete quartetos para cordas...

-- Que “certo ponto é esse?

-- Até o abandono dos motivos folclóricos, das cirandas...

***

Abrindo, de supetão, a porta da sala de música entra festiva e gigantesca e espalhafatosa a figura de Ernesto Quartin. Sua voz de muitos decibéis encobre a música que os dois estão a ouvir:

-- Da rua –, grita Quartin – ouvi um som muito esquisito. Mas não consegui identificar a composição. À distância, os acordes soturnos me pareceram de violoncelos; agora vejo que são contrabaixos. De quem é essa coisa?

-- Boa-tarde, Ernesto – cumprimenta Amaral ao recém-chegado. – Você conhece Xandi Cabral, não conhece?

-- Porra, Amaral! Você está esclerosado. Quantas vezes já nos encontramos aqui, o escritor e eu. Como está Xandi?

-- Bem, obrigado. E você, Ernesto?

-- Vou tocando. Mas, não me responderam de quem é essa música. Parece saco de gatos...

-- É o Quarteto para contrabaixos, de Erich Hartmenn, um compositor alemão de vanguarda – informa o audiófilo. Os instrumentistas são todos membros da Filarmônica de Berlim.

-- Não conhecia. Vamos ouvi-lo – e dizendo isso Ernesto sentou-se a um conto do sofá de quatro assentos.

Na sala, música e conversa mantêm-se concomitantes, gerando uma espécie de septeto sui generis: vozes em diálogo e, no fundo, os instrumentos executando a composição a qual só raramente assume o primeiro plano. O diálogo parece ser mais importante.

-- Jamais imaginei ouvir um concerto para contrabaixo. Para mim esse instrumento destina-se a marcar ritmo nos pequenos conjuntos jazzísticos, e servir de peso no balanceamento tonal das orquestras sinfônicas – observa Ernesto Quartin.

-- Concordo inteiramente – apóia Xandi Cabral, com a capa do disco na mão. Xandi gosta de ler os comentários das contracapas. A primeira coisa que faz, quando um disco é posto no toca-discos, é tomar a capa e ler o que nela está escrito.

-- É engraçado – comenta Amaral noutra direção. Já observara a mania do companheiro, e era a ele que tencionava criticar – nunca leio os comentários dos álbuns. Aliás, prefiro não conhecer a historia da composição que estou a ouvir e nem sequer saber o nome do autor. Dessa forma, sinto-me mais livre para imaginar o que o compositor pretendeu dizer com a composição.

-- O quarteto de contrabaixo desse alemão (é Hartmann o nome do homem? – indaga Ernesto, sem esperar resposta) –, apesar da excelente qualidade dos músicos, transmite pouco, emocionalmente. Acho que por causa do tom escuro dos instrumentos, em frequência baixa, dando a impressão de que o motor do toca-disco está um tanto alterado para menos. Chega a ser irritante.

-- É verdade, chega mesmo. Mas como faz bem à gente um grave profundo e bem articulado! – exclama o audiófilo Amaral.

De há muito Xandi Cabral desconfiava de que Amaral é, sobretudo, um vaidoso do seu sistema de som e dos seus instrumentos eletrônicos. Que lhe custaram muito dinheiro. Segundo o escritor, para o audiófilo a boa e fiel reprodução do som tem mais importância do que a qualidade da música. Na ausência de Amaral costumava comentar Xandi: “-- Não que ele não goste de música ou não se sensibilize com música. Gosta e sensibiliza-se. Mas o aspecto da perfeição do som, a técnica do sistema de reprodução eletrônica gratifica-lhe muito mais.”

De fato, comum era ouvir-se do dono da casa, ao meio de uma nota bem reproduzida:

-- Que transparência! Que gostosa ilusão de palco! Parece que instrumentos e instrumentistas estão ali. É só levantar e apertar a mão dos músicos.

Xandi Cabral escutava tais manifestações de entusiasmo sem fazer comentários. Sabia que o amigo falava para si, para convencer-se da excelência do seu equipamento de som. Xandi acreditava que Amaral ainda se mantinha inseguro a respeito da qualidade de sua reprodução, insegurança que talvez se devesse à dubiedade do caráter do audiófilo. “- Porque” – pensava Xandi – “essa mania de perfeição só pode representar insatisfação íntima ou espelhar incertezas pessoais, falta de confiança.”

-- Os quatro contrabaixos nesse lado do disco – observa Amaral Tedesco –, servem melhor à música de Helge Jorns do que ao barroco de David Funck. Na música antiga os contrabaixos não conseguem declamar a melodia com clareza. Nesse Móbile Perpetuum também. Nota-se que o compositor quis aproveitar, como percussão, o pizicato das cordas. Porque, por um lado parece haver determinação de ferirem-se as cordas com vigor, e, por outro, bater na caixa de ressonância dos instrumentos, criando esse som indefinido. É certo que a música ganha eloquência e...

-- Parece que batem – fala Ernesto Quartin, levantando-se e indo abrir a porta.

Com efeito, é Anita Tedesco que entra com uma bandeja na mão. Vai dizendo, risonha e oferecida:

-- Licencinha, licencinha, Senhores, e desculpem interromper. Trouxe um pouco de vinho para esquentar a audição. Abri, querido – disse, dirigindo-se ao marido –, uma garrafa de Petite Syrah, da safra de 1986, da Adega Medieval. Trouxe também uns canapés. Espero que gostem.

Anita é mulher de pouco mais de sessenta anos, baixa como o marido, guardando ainda traços de esplendorosa beleza. Olhos cor de avelã, tez clara, aveludada, sorriso aberto, e extremamente cativante. Artista de grande criatividade, praticando técnica muito pessoal: utiliza o bico de pena em nanquim para contornar e elaborar complexas e fantásticas figuras a partir de manchas espontâneas multicoloridas de tinta aguada sobre papel ou tecido. Sem ordem predeterminada. Sob o impulso do inconsciente cria criaturas de um mundo alucinado e caótico: meio bichos, meio árvores, meio gente e monstros e duendes e fantasmas e aleijões, de aspectos por vezes horripilantes. Mas que, ao mesmo tempo, exibem, paradoxalmente – talvez espelhando o mundo interior da artista –, candura e inocência e alguma sensualidade: porque os pés desses criaturas – especialmente os pés, a base de sustentação da estrutura dos seres humanos –, são revestidos de acolchoadas sapatilhas de pano. Mas as mãos, ou não possuem dedos ou os têm em forma fálica. Jamais garras, nos dois casos.

-- Como vão as artes plásticas, Anita? – pergunta o escritor.

-- Do jeito que você sabe – responde. – Muito trabalho, pouco resultado. Tudo muito caro e venda nenhuma. Também com essa crise, quem é que vai investir em arte, não é?

-- É, está tudo de fato muito caro – concorda Xandi.

Xandi Cabral é autor do livro, Rocky, meu cão, meu único amigo, romance de fundo anarquista, descrevendo uma sociedade sem poder formal, sem autoridade constituída, sem propriedade privada, sem moeda, sem códigos de comportamento nem religiosos. Um regime libertário, no qual os animais irracionais, principalmente os cães, têm direitos iguais aos dos homens, e todos, homens e animais são comuns perante lei nenhuma. O sonhador dessa utopia licenciosa não aprecia a arte de Anita, ou a não compreende, embora não o expresse em sua presença.

Para o marido da pintora, o anarquismo de Xandi Cabral tem muito de necessidade de afirmação. Exprime seu desgosto por não pertencer ao alto escalão da sociedade. “-- Porquanto” – julga Amaral com seus botões –, “no fundo Xandi é conservador, desde seu estilo adjetivoso de escrever, com a esnobe preocupação vocabular, ao trajar com aprumo, que traem seu anarquismo de fachada. Indicam o desejo inconsciente de um dia ser também ele burguês bem-sucedido.” O fato é que o diálogo entre o escritor e a artista fica nas amenidades de cumprimentos e bom-tom.

-- Com licença – desculpa-se Anita – tenho visitas lá dentro.

Sai. A sala de música de Amaral situa-se à parte da casa de morada, na parte de trás, afastada alguns metros. Como fora construída para a finalidade de reprodução de som, as exigências acústicas prevalecem. Por razão disso, não possui janelas nem aberturas, só a porta de entrada e de saída, por onde a mulher some.

--Vamos ao vinho – fala o anfitrião para os visitantes.

Urra ainda no ambiente de música de Amaral, a música de Hartmann, agora posta em segundo plano. Os três amigos brindam com a expressão “Saúde!”, batendo as taças de leve uma nas outras. Provam o vinho, degustando-o. O dono da casa mostra-se mais rigoroso na pantomima, segue o ritual: olha o vinho através do cálice, examina cor, limpidez, presença ou ausência de efervescência, densidade e viscosidade. Leva o cálice ao nariz para sentir o buquê. Recolhe à boca um gole, espalhando-o por todo o órgão gustativo: com a ponta da língua examina o teor de doçura, com a parte posterior, a sensação de amargo, e nas bordas laterais, afere a acidez. A safra de 1986 é considerada pelos entendidos como a melhor de todos os tempos da vinícola tupiniquim.

Amaral Tedesco não protesta se o intitulam enólogo, além de técnico em alta-fidelidade, e carpinteiro. Nos últimos tempos, também anda aceitado satisfeito, o epíteto de musicólogo, com o qual alguns membros da orquestra de cordas da cidade o estão a qualificar. Mas a sua maior vaidade é ter-se como um bom entendedor e apreciador de vinho. Com uma particularidade: dedica-se a cultuar somente vinhos brasileiros. Na sua adega subterrânea, possui perto de seis centenas de garrafas das mais variadas vinícolas, e safras, compreendendo uvas de diversas castas, entre as quais a Petite Syrah que estão tomando. Um vinho encorpado, com coloração vermelho-escura.

-- Não está ainda no ponto ótimo de desenvolvimento – pontifica Amaral. – Só tem seis meses de descanso em garrafa, que é muito pouco para os vinhos dessa uva, normalmente tânicos e alcoólicos, quando jovens. Descansados mais tempo, melhoram consideravelmente.

-- Para mim, está divino! – trombeteia Quartin.

-- Excelente! – exclama Xandi, acostumado a só beber vinho de colônia. – Muito bom mesmo! – completa.

As dissonâncias de Hartmann não agradam, nem a Xandi nem a Quartin. Amaral tenta interessá-los:

-- Prestam atenção para este movimento largo. Tem duração curta, mas é profundamente triste, quase desesperante. Contrastando com a banalidade do Allegro anterior e do Presto que se seguirá. Aliás, o concerto todo dura menos de dez minutos. Hartmann, como a maioria dos compositores da atualidade, tem pouco fôlego.

-- Carecem é de talento e competência, isso sim – responde Ernesto Quartin, para quem a prolixidade de Mahler é sinônimo de genialidade.

-- A propósito, Quartin, quais são os seus compositores preferidos? – pergunta Amaral.

-- Disparado, Mahler, especialmente a Segunda Sinfonia e a Oitava, a das “Mil Vozes.”

Gosto quase igual de Bruckner, destacando desse a Quarta e a Nona. Gosto também...

-- Do Bruckner aprecio o Quinteto para cordas e o Quarteto em Dó Menor– informa Xandi Cabral.

-- Bruckner compôs pouca música de câmara. Além disso, há um Intermezzo e um Rondo.

-- Quem gosta de Bruckner gosta de Wagner – palpita Amaral.

-- Quem gosta de Bruckner é porque gosta de Berlioz. Primeiro, gosta-se de Moteverdi, que apesar de nunca ter composto uma sinfonia, é, na minha opinião, o primeiro sinfonista da história. Parodiando a Bíblia eu diria: Monteverdi gerou Berlioz, que gerou Wagner, que gerou Bruckner, que gerou Mahler...

-- ... que gerou Stravinsky, que gerou Shostakovich. Ora, assim não dá, Ernesto. Cada compositor é produto de compositores anteriores. Não há compositor de geração espontânea – contesta Xandi Cabral.

O escritor já se serve da segunda taça de vinho. Bebe vinho aos grandes goles, como se bebesse cerveja, diz, “-- Para sufocar angústias.” Xandi Cabral é pessoa problemática. Embora casado, vive solteiro e solitário na casa de praia. Pai de um casal de filhos, um homem com quase quarenta anos de idade mas ainda dependente financeiro do pai, e a filha menor de idade e viciada em cocaína. Dão-lhe profundo desgosto. O escritor, quando está de pileque, costuma lamuriar-se: “-- Sou cônjuge mas não sou marido, sou progenitor e ainda não tenho filhos, morada eu tenho, duas, conquanto não resida em nenhuma. Mantenho de combustível três carros, e ando de ônibus, sou autor de dez livros e escritor de apenas um, que não me rende nada. Na verdade, não foi na sorte do poeta que o urubu pousou. Excretou mesmo foi na minha cabeça!”

Chega ao fim o lado dois do long play para quartetos de contrabaixos. A música de Helge Jorns, Móbile Pepetuum, merece o seguinte comentário de Ernesto Quartin:

-- Aquele começo em pizicato despertou em mim a idéia sinistra de soldados marchando, e do meio para o fim, soldados correndo. Musiquinha besta e insossa.

-- A música moderna, e aqui incluo o roque pauleira, não é para ser compreendida. É tão caótica quanto a vida nas grandes cidades. Carece apenas ser aceita.

-- O Logs, de Paul Chihara – comenta por sua vez Xandi Cabral, ainda com o envelope do disco na mão –, não passa de ingresias, gemidos, chiados, zunidos, canglores, batidas, sopros de objetos arrastados, barulhos imateriais dispostos sem sequência nem consequência. Um dos executores afirma aqui que a música remete à meditação zen-budista. Daí, talvez, aquela sonoridade imaterial.

O escritor gosta de usar a palavra imaterial para significar o que não pode ou não consegue definir. Intitula-se a ele também uma criatura imaterial, referindo-se à indefinição de sua vida. Conta: “-- Saí de casa, menino ainda, para fugir da severidade de meu pai, o coronel Chico de Alcântara, primogênito de meu avô, o terrível Coronel Zé Sales de Alcântara, dono absoluto das mil léguas da fazenda Figueiredo, no município de Desunião. Desunião é uma ilha singular, não porque cercada de água, mas em virtude de ser arrodeada de areia por todos os lados que lhe dão acesso: ao sul pelo leito seco do Ria Jaguari, e ao norte, pelo álveo do Desunião, um braço do Jaguari. O Desunião vai além, circunda a cidade a que deu o nome. Quando há inverno e se as chuvas forem intensas, tanto o Jaguari quanto o Desunião transbordam e a cidade fica, ai sim, ilhada. Na estiagem, tais rios secam e a cidade é então cercada de areia”.

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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  Convidad 25/5/2010, 14:35

Muito bom. Óptimo.

E ainda houve espaço para falar da beleza de uma mulher, duma sociedade em que os animais (cães) teriam os mesmos direitos que os homens, e do anarquismo de fachada.

Estou de barriga cheia.

Obrigado.

Mário

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Allegro ma non tanto... Empty Dedicado ao Holbein Menezes

Mensagem  TUTUBARAO 1/6/2010, 07:32

Aconteceu nesse fim de semana o primeiro evento DIY FEST RIO que temos notícia no Brasil e dedicamos esse evento Ao Mestre Holbein Menezes. No Brasil todos sabem que ele é pioneiro do Diy e todos nós somos discípulos dele, influenciados por suas dicas , nada mais justo que ao conseguir realizar essa exposição dedica-lá ao Holbein.



Um marco no mundo DIY no Brasil. Allegro ma non tanto... 165844

Vieram pessoas da maior importância no mundo Audiófilo Brasileiro e rompemos com muitos paradigmas dos descrentes dessas soluções.

Essas mesmas pessoas , sugeriram uma série de homenagens ao mestre, entre eles estava um grande conhecedor de Músicas,O Ricardo Gondim(do web café-audio Logos Eletrônicos), a qual sugeriu que tirassemos uma fotografia juntos e escrevesse-mos: Espaço Holbein menezes.

Acontece que não previamos que centenas de pessoas comparecessem a uma sala de 150 metros quadrados nesses dois dias, por horários diversos, já nos primeiros momentos, antes da abertura , tinhamos um numero expressivos do público antecedentes a abertura. Esse número Dificultou a reunião numa mesma foto ,e no mesmo horário em que todos pudessem comparecer.Ao que tivemos a idéia ,junto Ao fotografo profissional de maior expressão No cenário Brasileiro ,captar os diversos momentos desse evento e prepearar um material com dedicação Ao mestre e envia-lo ao mesmo. Allegro ma non tanto... Icon_idea

Compareceu, para grata surpresa de muitos, O filho do Mestre , ao saber que iríamos prestar essa homenagem ,ao combinar-mos no HTForum, ele veio mostrar sua adimiração a seu pai, ja que ele não poderia comparecer ao Rio de Janeiro nessa data.
Uma lista enorme de pessoas queridas se manifestaram ,solidarizando com o Diy. Foi um sucesso, pessoas de diversos lugares do imenso Brasil enviaram equipamentos para amostra, vindo alguns e conseguimos montar vários setups para demostração.
Um conhecido fabricante de valvulados e reconhecido no mundo todo esteve ali também, O Eduardo Lima da Audiopax, certamente por ter sido um Diyer antes mesmo de ter sua marca famosa.


A montagem
[img:a694]http://www.audiopt.net/Allegro ma non tanto... Montagem[/img]


Momentos iniciais

Allegro ma non tanto... People

Allegro ma non tanto... JFCeKraftsman

Allegro ma non tanto... Renato

Allegro ma non tanto... EadyamaeMutuano

Allegro ma non tanto... A_Tropa

Allegro ma non tanto... ThMiniCaixas02


A PEDRA FUNDAMENTAL, PIONEIRISMO

Allegro ma non tanto... Holb10_small

Abraço do TUBA!
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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  BVG 1/6/2010, 08:16

muito bem Allegro ma non tanto... 403861
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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  Blink 1/6/2010, 08:30

Parabéns pelo vosso evento, pena ser tão longe e eu estaria aí. Allegro ma non tanto... Icon_cheers
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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  Convidad 1/6/2010, 10:21

parabens pelo magnifico evento e ao Mestre pela merecidissima homenagem.
uma belissima ideia para ser seguida aqui por estes lados...
abraços transatlanticos
Milton

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Mensagem  Luke Skywalker 1/6/2010, 11:37

opa!, chegando agora, atrasado e ainda por ler todo o tópico Allegro ma non tanto... Icon_cheers
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Mensagem  Convidad 1/6/2010, 12:03

Muito bom.

Merecida homenagem.

Parabéns,

Mário

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Allegro ma non tanto... Empty O afeto e a generosidade.

Mensagem  holbein menezes 1/6/2010, 12:54

O que os amigos do Brasil fizeram com o evento DIY, ao dedicar-mo-lo, nada mais foi que a prática da generosidade, que é filha do lado bom do afeto. Afeto é a matéria fundamental do comportamento humano, em forma de corrente de energia, que todos homens e mulheres temos; aliás, nascemos cada um com uma dada e finita cota. A descarga dessa energia se faz por via psicomotora, por meio de atos de amor ou ações de ódio; a parte boa e a parte má.

Os amigos e colegas do Brasil, Tutu à frente, descarregaram sobre este velhinho de estimação grande quantidade e a melhor qualidade de suas cotas de afeto.

Muito obrigado. Sinto-me como a bem-amada em cujos braços anciãos os audiófilos tupiniquins despejaram o melhor de seus carinhos. Aceito-lhos!

Holbein.

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Mensagem  Paulo André 1/6/2010, 13:11

Parabéns pelo evento e parabéns ao Mestre Holbein pela merecida homenagem Allegro ma non tanto... Icon_cheers
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Mensagem  Convidad 1/6/2010, 18:54

Allegro ma non tanto... 969831 Muito Bêm !!! Allegro ma non tanto... 403861

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Allegro ma non tanto... Empty Tudo em família...

Mensagem  XmaxBR 3/6/2010, 12:15

Holbein,

Por duas de suas passagens pelo Rio fui convidado por amigos em comum a desfrutar de sua companhia... infelizmente o tempo não permitiu, mas o destino me apresentou pessoas que certamente lhe são muito familiares... e foi uma honra conhece-los!

Veja a foto abaixo, em tamanho real e repare na primeira foto, alguém de camisa verde, braços cruzados ao lado de um lindo jovem, ainda adolescente.... querendo ou não, foi a prova irrefutável que herdaram a sua paixão por audio e diy, fora o nome! Parabéns!


Allegro ma non tanto... People


Amigos,

Desculpas invadir esse nobre espaço sem qualquer apresentação... me chamo Renato, sou um brasileiro que teima em afirmar que podemos fazer equipamentos artesanais de alta performance. Allegro ma non tanto... Fresse Allegro ma non tanto... Icon_biggrin

Tenho até um pequeno site sobre o tema, http://www.diyaudio.com.br

Abração,

Renato

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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  Luke Skywalker 3/6/2010, 18:18

Renato, bem vindo ao audiopt.

Allegro ma non tanto... Icon_cheers
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Mensagem  Convidad 3/6/2010, 19:05

muito bem Renato!
estive agorinha mesmo a ver o site e gostei muito.
parabéns e estás convidado a fazer a apresentação no local proprio.
vai aparecendo por aqui,diverte-te,e fica o desafio para abrires aqui um topico no nosso espaço diy Allegro ma non tanto... Icon_cheers
abraços transatlanticos
Milton

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Mensagem  Luke Skywalker 7/6/2010, 11:40

Na espera da próxima parte Allegro ma non tanto... Icon_wink
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Mensagem  Convidad 7/6/2010, 12:49

Luke Skywalker escreveu:Na espera da próxima parte Allegro ma non tanto... Icon_wink
e eu já estou "de plantão" aqui bem na frente do monitor Allegro ma non tanto... Icon_bounce

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Allegro ma non tanto... Empty Quando se tem amigos , tudo se torna mais facil

Mensagem  TUTUBARAO 7/6/2010, 21:28

Um sonho que se realizou.

Fazia tempo que militava na area DIY e fui muitas vezes criticado no forum que frequentava, por aqueles que so viam as soluções ,quando elas tinham uma marca e ficou cada vez mais difícil convencer alguém lá ,isso quando o parametro não era mais a qualidade e sim o valor dos equipamentos.


Havia a necessidade de mostrar para as pessoas, que gostam do Hobby, que existe outras soluções e para diversos orçamentos.

Um equipamento quando sai da Europa, chega com o valor dobrado ,somente pela diferença de câmbio,e, pelos os impostos ,o lucro do revendedor , os valores dos equipamentos ficam em até 10 vezes o seu valor de origem;Um absurdo certamente.


Com isso passou-se a ser, o nosso hobby do audio, um elemento de status.

Aquele que tem um bom sistema de entrada certamente é rico ,diziam alguns no forum.

Contra o império do mal e suas marcas, aqueles que usam do audio como fator desagregador e elitista,surgiu os amigos que procuravam soluções para todos que gostariam de ter um setup de qualidade e compartilhavam-se os segredos.

Digo que fui diversas vezes expulso do forum, por contrariar interesses econômicos, mas por força da minha boa intenção ,reconhecida, fui reaceito outras tantas por pedido dos membros que achavam que valia ter um TUTU ali, um ser extraterrestre no meio de pensamentos tão iguais e sem esperanças ,creio eu.Aprenderam a conviver comigo, agora tomo advertencia(campeão mundial) quando apago algo que eu mesmo escrevi, absurdo mas é verdade , quase me auto expulsei por causa disso essa semana. Allegro ma non tanto... Icon_eek Allegro ma non tanto... Icon_eek Allegro ma non tanto... Icon_eek

E criamos o Slogam: Audio é resultado.

não adianta gastar muito e ter resultado ruim , é possivel gastar menos e o resultado ser melhor.

Era certo que o grupo de diyers iria entrar nessa corrente de amigos e iria defender esse pensamento.

Quando tive a idéia de montar o evento não sabia como colocaria isso em prática, foi quando o Renato, que tem melhor visão capitalista que eu, sugeriu uma conta matemática em que pessoas do grupo contribuiriam com 20 reais (10 dolares) durante 6 meses e com esse valor conseguiriamos alugar um espaço para o evento, quando colocamos isso no forum o número de adesão a causa foi maior que o esperado e conseguimos alocar por dois dias o evento.

Agora ficamos com vontade de realizar todo ano um , mas a vontade esta sendo tão grande que resolvemos fazer encontros menores para trocas de experiencias e mostrar nossos feitos Diy.

Por tanto o caminho é esse União e amizade para que os sonhos sejam realizados.

Não sou contra as marcas , sou contra os que querem tirar o direito de sonhar, daqueles que não tem recursos ou conhecimento (momentaneo) para ter som com qualidade.

Abraços cordiais!


Última edição por TUTUBARAO em 7/6/2010, 21:55, editado 4 vez(es) (Motivo da edição : melhorar o texto)
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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  Convidad 7/6/2010, 21:36

Muito bem!! Allegro ma non tanto... 403861

quando o homem sonha,a obra nasce !...

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Allegro ma non tanto... Empty Re: Allegro ma non tanto...

Mensagem  XmaxBR 7/6/2010, 23:25

Luke, Milton e Amigos,

Muito obrigado mesmo pela ótima recepção! Vou dar uma espiada com atenção e no que puder colaborar, será com muito prazer...


Tuba,

Andas tão emotivo...assim eu me emociono também... Allegro ma non tanto... Icon_lol Allegro ma non tanto... Icon_rr Allegro ma non tanto... Lol


Abração a todos,

Renato

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Allegro ma non tanto... Empty Um DIY pau--de-arara.

Mensagem  holbein menezes 8/6/2010, 15:07

Tutu, meu querido amigo.

No próximo evento do DIY estarei enviando o mais efetivo "faça você mesmo" que "inventei" nesses sessenta anos de "invenções estrambóticas" a que me dei o prazer; trata-se do mais singelo e mais barato e mais operativo e mais benéfico "filtro de setor", como se diz em Portugal, ou "condicionador de energia" como os sabidos do Brasil batizaram; um singelo transformador-isolador toroidal de 2K5 watts; só isso; ao custo de 600 reais, puxa vida!!!!!

Um abraço do seu fã

Holbein.

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Allegro ma non tanto... Empty Allegro ma non tanto - Parte III.

Mensagem  holbein menezes 30/6/2010, 08:59

Lá no Nordeste Brasileiro só há duas estações: a que chamamos de Inverno (a temporada das chuvas) e a que designamos como Verão, a temporada que não chove; nas duas temporadas, a temperatura varia de 25º para 32ºC. Os meses de Inverno são de janeiro a maio, quando a temporada das chuvas é considerada “boa”; no resto do ano não chove nem um pingo. Não é raro, porém, passarem-se dois, três e até quatro anos sem chuva alguma: a essa estiagem longa chamamos de seca.

Ora, durante a seca de 1932, que durou até 1934, Xandi Cabral vai tentar a vida em Fraqueza, a capital do Estado. Hospeda-se na casa de sua tia Nenzinha. Faz exame de admissão para o Liceu, ao tempo, único colégio oficial do Estado. De onde sai sete anos mais tarde para tentar o vestibular de medicina no Rio de Fevereiro. Aí, mora em São Gonçalves, em casa de outra tia. Vem todos os dias para um cursinho preparatório na Praça Arranca-dentes. Seis meses depois tenta o vestibular para a Faculdade de Medicina da Praia Rubra. Não passa. Desiste da medicina e faz concurso para o Banco do Pais, classificando-se. Toma posse em junho de 1943. Hoje, é aposentado, assim como Amaral Tedesco, que é do mesmo concurso que ele.

-- P... pu... por favor, Amaral – fala Xandi, a língua um tanto enrolada pelo efeito do vinho – bota aquele quar... o quar... o quarte... o quarteto do Shost... do Shosta... do Shostakovich. Como me sinto bem com essa música!

Toda vez que bebe o escritor gagueja e volta a falar com sotaque nordestino, apesar de residir faz mais de quarenta anos no sul do País. Amaral e Xandi são conterrâneos, o primeiro do norte do Estado, da cidade de Amassapão, e o segundo, do Vale do Jaguari onde corre um rio com o mesmo nome por cujo largo leito arenoso atravessa-se no Verão sem molhar os pés. Já Ernesto Quartin é catarina, com descendência estrangeira, sangue alemão com francês.

-- Eu também gosto do Quarteto Número Quinze, de Shostakovich. E gosto muito – afirma enfático Amaral. – Acho que vocês sabem, trata-se da última obra do compositor soviético. Na verdade, a Sonata para Viola é a sua última peça, mas o décimo quinto quarteto de cordas é considerado o derradeiro grande trabalho do mestre. Nele, o compositor parece ter a premonição da própria morte, que acontecerá alguns meses mais tarde, em 1975. A primeira audição do quarteto ocorreu em novembro de 1974. Aliás, está tudo escrito na contracapa do estojo – conclui, sorrindo entre os dentes, e olhando de soslaio para Xandi Cabral.

-- Não conheço a peça – confessa Ernesto Quanti. – Mas, aprecio a música do compositor russo, sobretudo a sua Quinta Sinfonia.

O anfitrião, descamisando com extremo cuidado o disco, tocando apenas na sua borda com o dedo polegar, e os demais dedos postados na parte lisa do centro do disco, passa a capa ao amigo Xandi e conduz o disco ao closet de cerâmica, dentro do qual, sobre mesa de mármore, está instalado o toca-discos.

-- Esse grau de cuidado – observa Xandi, repetindo frase ali pronunciada dezenas de vezes e que indica que o vinha já sobe-lhe à cabeça, tocando no disco como se fosse a coroa da rainha da Inglaterra –, para mim não tem similitude. Só comparada à sua própria precaução de isolar dentro de uma cafua de tijolos maciços, o toca-discos, para evitar a pressão do ar produzida pelos sonofletores. Você é completamente doido, conterrâneo!

-- Louco não, audiota. Mas por falar em loucura, escutem esta: a vizinha aí de frente pegou o marido comendo a cunhada na própria cama do casal. Fez um escândalo dos diabos. Daqui de casa ouvia-se a mulher a gritar, quase histérica: “-- Minha própria irmã! Na minha cama! Dupla de sem-vergonhas! Foi castigo meu Deus! Foi castigo! Quem me mandou hospedar uma ninfomaníaca? Que além de tudo gosta de dar o rabo. Depravados!” A briga durou a noite toda.

-- Também a mulher é um tesão – acrescenta Quartin, lascivo. – Irresistível! Com aqueles olhos de peixe morto, narinas dilatadas, bico dos seios tumefactos, sempre salientes, ventre prometedor, com aquelas coxinhas roliças de fora, pernas cabeludas, budinha pra trás, e mais o sovaco por fazer, sei não. É a própria Messalina.

-- Ou Dalila – esnoba Xandi.

-- Por que não Frinéia? – desfia Amaral.

-- Não posso aqui arrolar as putas da História, não é? – desbocado, tenta encerrar a digressão Xandi Cabral, interessado na música de Schostakovich.

Os primeiros acordes do quarteto soam na sala. Lento lamento, desesperançado, sustentado ora pelos violinos, em pianíssimo, ora pelo violoncelo, em tom bastante sombrio, seguido da viola queixosa e choramingas. Os quatro instrumentos criam pesada atmosfera de sofrimento, de perda total e definitiva.

-- Pressente-se que o autor deplora a própria morte, e parece que a adivinha próxima, não acham vocês? – pergunta Amaral.

-- Nunca entendi – prossegue Xandi – porque se deplora a morte. Além de ser um fenômeno natural e inevitável e, ao mais das vezes, uma solução.

-- Como solução? – indaga alguém.

-- Vejam bem: solução para os que sofrem. Nesse caso é a mágica que põe termo à nossa humana desgraça. Solução para os anciãos: após tanta vida vivida e sofrida, é o término insultuoso do longo espetáculo existencial. E no caso de ocorrer de repente..., bem, de repente não se morre, desaparece-se, esfumaça-se, volatiza-se. Ora, na lógica mecanicista do Kant, se não há morte, logo não se morre.

Na altura, começa a fase alcoólica em que o escritor torna-se brilhante, e valente, desafiando tudo, inclusive a morte, a qual teme tanto. Sua verve explode inteira.

-- A morte – ironiza o franco-germânico Quartin – é tema fértil e realidade estéril. No primeiro caso, quando dela se fala e escreve, e no segundo, quando se a vive.

-- Você acabou de dizer um paradoxo! Por acaso se vive a morte? – invectiva Xandi Cabral.

-- Xandi – bate-lhe no ombro o anfitrião, tentando desviar a discussão –, vou até a adega apanhar mais vinho. Fiquem aí conversando com o predefunto, enquanto escolho um bom Merlot para contracenar com os filósofos que vocês estão.

Sai rápido. A adega está parede-meia à sala de música. Mas abaixo do piso um metro. De lá, ouvem-se os sons e vozes provindos do auditório. Amaral escuta a voz abaritonada de Xandi, que recita alguma coisa.

--“Reconheçamos humildemente nossa dupla e contraditória condição. Não podemos, é certo, viver com a morte. Mas também não podemos viver sem ela. Nec tecum nec sine te.”

A adega é um cubículo de três metros de comprimento por um vírgula seis de largura e um vírgula oito de altura. Toda de pedra. Iluminada por fraca luz alaranjada. Explicação, segundo o enólogo cabeça-chata: “-- Vinho necessita de escuridão para repousar. De escuridão e de silencio, e de absoluta inércia.”

Amaral vê-se diante dos escaninhos de basalto. Deles apontam gargalos de garrafas, revestidos de estanho: nas melhores marcas, estanho, mas nas marcas menos nobres, plástico. Alguns gargalos com revestimento em vermelho, outros, na cor preta. O enólogo arataca se sensibiliza quando entra na sua adega. Cai em êxtase. E sempre se lembra da prosa do seu primo Camelo, em carta de Sombreiro: “-- Nordestino com adega, Primo, é o mesmo que jumento com gravata-borboleta. Tá virando baitola, ó xente?”

Foi ele próprio, carpinteiro e pedreiro amador, que construiu a adega. Ficou funcional e bonita. Naquele instante, dentro da adega, acerca-se das estantes que cobrem três das quatro paredes, e examina as etiquetas dependuradas dos gargalos, com dados relativos à data de entrada, preço, fornecedor, tipo de uva, ano da safra, fabricante e origem. Pega uma garrafa de Merlot, safra de 1983, sai e volta à sala de música.

-- Que diabo de coisa sobre a morte estavas a declamar, hem, Xandi?

-- Recitava o grande Tristão de Athayde – responde de pronto o escritor –, um soberbo trecho da crônica Meditação sobre a morte, publicada no Jornal do Brasil, em 1972. Querem ouvi-la toda?

-- Vote! Bichinnho. Para ouvir sobre a morte basta escutar este quarteto mórbido do Shosta.

-- Por exemplo, este fugato – acrescenta Quartin –, em que cada instrumento, em acordes longos e crescentes, emite verdadeiros gemidos de alma enferma ou moribunda. Embora assim pungente, é genialmente criativo. Gosto do Schostakovich, sobretudo pela inventiva e pelo inusitado dos temas.

-- Essa é a tese que tenho sustentado – profere o escritor, levantando-se e adotando posição de quem vai discursar. – Não pode haver criação artística sem sofrimento moral e físico. O Schosta foi pessoa muito infeliz. Viveu prisioneiro do dogmatismo político do PCUS. Uma das vítimas do zdhannovianismo que imperou na antiga União Soviética até a morte de Stalin. Todos lembramos da célebre e malfadada intervenção de Andrei Zdhanov, em 1946, no Smolni, em Leningrado. Ocasião em que proferiu diante da intelectualidade soviética, entre a qual se encontravam Sergei Prokofiev e Dmitri Shostakovich, o espantoso Informe sobre as revistas Zvezda e Liningrad. Aliás, Shostakovich já vinha sofrendo severa crítica, e até mesmo censura, desde 1930, quando a literatura e as artes em geral passaram na Russia a ser dirigidas e controladas pelo Partido. Desse período são a ópera Lady Macbeth of Mtsensk e o balé The Limpid Book, proibidos durante muitos anos de serem executados no país e nas regiões sob a influência soviética. A pressão foi tão forte sobre o compositor, que ele se viu obrigado a apor o subtítulo “Resposta de um artista soviético a uma crítica justa”, à sua Quinta Sinfonia, composta em 1937.

Um tanto exausto com o discurso, suando o pálido rosto oval agora avermelhado, os pés enroscados com um fio de áudio que corria pelo chão, o escritor vacila, desequilibra-se e desaba sobre o sofá, quase caindo por cima do Quartin.

-- Porra! Amaral – vocifera –, você nunca arruma esta sala. É fio para todos os lados. – E virando-se para o grandalhão Quartin: -- Desculpe-me, Ernesto, machuquei-o?

-- Não. De maneira nenhuma.

A sala de música de Amaral Tedesco mais parece um estúdio de televisão, cabos e fios por todos os cantos, e aparelhos eletrônicos em diversas posições, até parafusados ao longo da parede dos fundos. O audiófilo tem, para essa aparente bagunça, uma explicação:

-- Nada aqui é por acaso nem por descaso. Os equipamentos, assim tão próximos, fazem a posição ideal de interação: quanto mais curta a distância entre os elos do sistema, menos o tamanho nos cabos de interligação. Cabos, mesmo blindados, funcionam como antenas e captam sinais de radiofrequência, os quais são manifestados em forma de deformações do sinal original gravado nos discos. Nasalidade e estridência são as mais comuns.

O quarteto de cordas de Schostakovich continua: ouve-se agora o Nocturne, saudosista, nostálgico, trecho curto. Especula Xandi: “-- Possivelmente evocando raras e fugazes situações de felicidade.” Segue-se-lhe o tema da Marcha Fúnebre, longamente desenvolvido.

O anfitrião, ainda com a garrafa de vinho na mão e um saca-rolhas artesanal, feito de madeira, contendo engenhoso dispositivo para sacar a rolha da garrafa sem qualquer esforço nem estampido, debruça-se sobre a mesinha de ripas de pinho. Capricha no ritual: torce a primeira alavanca do saca-rolhas; com vagar, uma volta, duas, quatro, até o fim da rosca; em seguida roda a segunda alavanca, a de baixo, até a rolha desprender-se por completo do gargalo. Retira a cortiça da engrenagem, examina-a com atenção, leva-a próximo ao nariz, aspira a aura e limpa com um pano branco de linho a borda da garrafa. Volta a inclinar-se sobre a mesinha, e de uma bandeja de prata retira um cálice de cristal no qual derrama um pouco de vinho. Torna a aspirar o buquê, uma, duas, três vezes, balançando a cabeça de um lado para outro a fim de que o olfato cubra toda a superfície cilíndrica do cálice. Coloca o cálice contra a luz e examina cor e transparência. Por fim, leva-o à boca e suga pequena porção, que deposita sobre a língua espalhando-a até os mais afastados sensores do paladar. Bochecha e bebe. Depois expira lentamente para sentir o retrogosto. Então diz:

-- Este está bom. Tem buquê, denotando carvalho. Encorpado. Sem dúvida, desenvolveu-se bastante no ano de repouso que passou. É, possivelmente, o terceiro melhor Merlot produzido no País. E o mais barato, incrível, não?

-- Saúde ao camarada conde de Amassapão! Nascido nos semiaridos sertões do norte do Estado, com canícula e quarenta graus à sombra, um bichinho assim medito a entender de vinho! Nordestino é antes de tudo um atrevido!

-- É antes de tudo um forte, como constatou Euclydes da Cunha – protesta Ernesto Quartin. – Admiro muito o povo de vocês: paciente, mas determinado, cordato, mas valente, subalimentado, mas resistente, inculto, mas inteligente, subdesenvolvido, mas criativo. Um pouco do espírito judeu, um tanto do caráter oriental, a resistência africana e a alegria tupi-guarani. Uma mistura extraordinária!

-- Está enganado – responde-lhe Amaral.

-- Enganado? Indaga atônito Quartin.

-- Não me refiro ao que você disse nem poderia. Fez um rasgado elogio à nossa gente. Respondo ao Xandi.

-- Enganado por quê? Só se for porque omiti que o conde de Amassapão, proletário fabricado, foi preso por terrorismo? – provoca o escritor.

-- Nunca fui terrorista nem sequer comunista. Fui preso por ter praticado um ato de caridade. Por ter abrigado em minha casa uma pessoa assustada, faminta, e além de tudo doente, que fugia da morte certa pela polícia política. Fui preso por ter praticado o Evangelho de Cristo. Se eu houvesse feito como tantos cristãos vendilhões do templo que andam por aí, se apenas pregasse os ensinamentos do Homem e os não praticasse, certamente não teria sido aborrecido, apesar do marxista confesso e convicto que sou.

-- Li Karl Marx e Sigmund Freud – tenta aliviar o clima de querela Quartin, notando a irritação de escritor –, li-os no original, por exigência de meu pai, para eu não esquecer o alemão. Meu pai considerava esses dois, e mais Charles Darwin, os verdadeiros messias da Humanidade. Dizia que Marx apontou aos povos o verdadeiro e único caminho da salvação, Freud, o da salvação do homem enquanto pessoa, e Darwin nos desendeusou, remetendo-nos à nossa condição animal, de onde nunca nos devíamos ter afastados.

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